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Por Rafael Ramon

A imensa maioria das empresas no Brasil pode ser classificada como “familiar”. Apesar de não haver um consenso ou conceito definitivo sobre o que é “empresa familiar”, usualmente se considera familiar a empresa fundada por alguém da família e/ou que tem entre seus sócios e gestores membros de uma mesma família, muitas vezes o fundador ou seus descendentes.

As empresas familiares têm grandes vantagens em relação a empresas que não têm esta correlação entre o capital, gestão e família, como as grandes corporações de capital aberto. Isso porque há normalmente maior nível de confiança e comprometimento entre os sócios e gestores.

Em empresas de capital aberto ou controle difuso, são comuns críticas a executivos com visão de curto prazo, que buscam um resultado imediato (motivados por bonificações), em detrimento de ações de médio e longo prazo que visam a perenidade da empresa.

No entanto, a empresa que tem entre seus sócios e gestores membros de uma mesma família possuem riscos associados ao próprio envolvimento desses membros no negócio, pois muitas vezes as relações familiares são movidas por aspectos mais emocionais do que racionais.

Os principais conflitos surgem com mais frequência na transferência de controle ou gestão de uma geração para outra. Herdeiros que não têm o preparo ou aptidão necessários para a condução da empresa e do patrimônio ingressam na estrutura da empresa e passam a competir entre eles ou tomar espaço de pessoas com mais capacitação. Alguns entendem que, pelo fato de serem da família, obrigatoriamente devem ter um cargo ou posição na hierarquia, e muitas vezes já querem iniciar nos cargos mais altos, sem passar por um processo de formação adequado.

A confusão entre os conceitos de propriedade e gestão é a principal razão da altíssima mortalidade das empresas na transição de uma geração para outra (estatísticas do SEBRAE informam que mais de 70% não resistem à passagem para a segunda geração). Mas essa não é a única causa, pois mesmo empresas em que os herdeiros passam por um processo de educação executiva acabam tendo problemas na passagem de bastão.

Ora os sucessores, mesmo preparados, tentam impor novas ideias ou formas de atuação sem respeitar a cultura da empresa; ora há conflito entre os herdeiros por questões de ordem mais pessoal do que meramente divergências de ideias, de forma que o tratamento do problema envolve aspectos mais de psicologia do que propriamente jurídicos. Por essas razões, são cada vez mais comuns as expressões “profissionalização da gestão” e “governança corporativa” associadas aos planejamentos sucessórios em empresas familiares.

Sobre a profissionalização, é preciso esclarecer que não significa o afastamento dos membros da família da gestão (apesar de que, em muitos casos, isso seja mesmo recomendável), mas sim conferir à empresa processos, regras e estruturas para garantir maior eficiência da administração e nas relações com os sócios e entre eles.

Trazer profissionais do “mercado” pode ser muito útil para agregar à empresa familiar uma visão ou experiência diferenciada, porém tão ou mais importante é fazer com que cada membro da família empresária entenda a diferença entre propriedade e gestão e qual o seu papel na estrutura.

Para isso, a Governança Corporativa constitui uma ferramenta de altíssimo valor para evitar ou resolver conflitos e estabelecer princípios e mecanismos de preservação da empresa e seu patrimônio.

A implementação de um processo de governança adequado pode preparar a estrutura e as pessoas envolvidas para enfrentar os desafios cada vez maiores de ser empresário no Brasil, sobretudo neste momento em que a maioria das empresas passa por dificuldades.

Temos visto muitas famílias empresárias com patrimônio relevante, mas absoluta falta de liquidez. Isso, além das dificuldades inerentes à escassez de capital de giro para as atividades operacionais da empresa, começa a afetar o próprio estilo de vida da família, levando a conflitos societários e familiares.

É comum o conflito de interesse entre os que desejam liquidez e renda e aqueles que estão conduzindo a empresa e pretendem manter recursos para necessidades da empresa. Conciliar essas visões e criar um canal eficiente de participação e comunicação entre as pessoas pode evitar que as divergências afetem ainda mais a situação da empresa.

Uma das principais formas para fazer com que os membros da família tenham o envolvimento com a empresa, mas dentro de uma medida que for mais adequada a cada um, é por meio da criação de Conselhos, como de Administração ou de Família.

Sobre o Conselho de Administração, é importante enfatizar que não se trata de mera estrutura para acomodar os familiares sem atuação no dia a dia. Trata-se de efetivo órgão de gestão, com competência para tomada das decisões estratégicas e de maior relevância para a empresa. Por esta razão, seus membros devem ter capacitação para a função, com domínio sobre as informações mais relevantes da empresa, mesmo porque possuem responsabilidade equivalente à da diretoria.

Não existe modelo pronto que sirva a todas as situações. Na implementação de um processo de governança é fundamental entender a estrutura da organização, sua cultura e sua visão de curto, médio e longo prazo. Da mesma forma, é fundamental conhecer os atores envolvidos, o que pensam e esperam os gestores, sócios e herdeiros sobre a empresa e seu papel dentro dela.

Assim, podem-se definir os mecanismos e estruturas mais adequados em cada caso, de forma que a empresa seja preservada dos conflitos familiares e os familiares sejam preservados dos riscos da empresa. Com todos “remando para o mesmo lado” e “sabendo seu lugar no barco”, as chances de superar as dificuldades são muito maiores.

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