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Atos jurídicos na matrícula imobiliária: vantagens para quem?

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Por Silviane Scliar Sasson 

A partir de fevereiro de 2017, passaram a vigorar todos os efeitos da Lei nº 13.097. Publicada em 2015 e conhecida como “Lei da concentração dos atos na matrícula do imóvel”, essa Lei estabeleceu que devem estar concentrados na própria matrícula imobiliária todos os atos necessários para a avaliação de eventual fraude ou impedimento na alienação do bem. Com esse intuito, a Lei 13.097: (i) alterou a redação do art. 1º, § 2º, da Lei nº 7.433/85, dispensando a obrigatoriedade de apresentação da certidão de feitos ajuizados para lavratura de escrituras públicas de alienação ou oneração de imóveis e, ainda, (ii) vedou a oposição, por credores ou quaisquer prejudicados, de situações jurídicas que não constem da matrícula do imóvel.

O objetivo dessa Lei seria proporcionar maior agilidade aos negócios imobiliários, ao reduzir a um único documento (a matrícula) as avaliações destinadas à análise de regularidade da transação, já que o registro do imóvel deverá passar a conter os registros ou averbações de quaisquer situações, incluindo ações e execuções judiciais ou outras restrições que possam comprometer a segurança jurídica do negócio. A dispensa das certidões de feitos ajuizados passa a alcançar, inclusive, as hipóteses de financiamento ou empréstimo com garantia de bem imóvel por instituições financeiras.

Apesar de todo o alarde e celebração em torno da nova Lei como uma medida capaz de, finalmente, trazer maior celeridade, economia e segurança ao mercado e aos negócios imobiliários, o fato é que, diante da colcha de retalhos de que é composto o ordenamento jurídico brasileiro, todas as boas intenções dessa Lei parecem permanecer na tese.

A pouca eficiência da nova legislação está, em primeiro lugar, relacionada às exceções trazidas pela própria Lei 13.097/15, como por exemplo: (i) as hipóteses da ineficácia e da revogabilidade de atos em caso de falência, com relação à massa falida e (ii) as ações que possam implicar em perda de propriedade em decorrência de usucapião. O segundo motivo para a eficácia reduzida dessa Lei está no conflito com outras normas da legislação, dentre as quais se destacam: (i) a caracterização de fraude na alienação de bens a partir da simples inscrição de crédito fiscal em dívida ativa, conforme previsto no Código Tributário Nacional, e (ii) a previsão, no novo Código de Processo Civil, de que a existência de uma demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência implica em fraude. Essas disposições não foram modificadas pelo advento da Lei 13.097 e, portanto, permanecem em pleno vigor. Em outras palavras: mesmo não havendo qualquer registro ou averbação na matrícula imobiliária, o devedor de tributos e aquele que se torna insolvente ao se desfazer de determinado bem estarão cometendo fraude, o que levará à caracterização de nulidade da transação imobiliária.

Ainda, em tempos de cerco fechado aos crimes de lavagem de dinheiro, não é menos importante a análise de certidões criminais, já que os bens adquiridos com proveito de crimes têm pena de perdimento, independentemente da anotação quanto à existência de ações, na matrícula imobiliária, dos bens de propriedade do autor dos crimes.

Como se não bastasse, a própria Lei 13.097/15 estabeleceu que a averbação na matrícula imobiliária nos casos em que ocorra por determinação judicial deve incidir preferencialmente sobre imóveis indicados pelo próprio demandado e estará restrita a tantos imóveis quantos bastem para garantir o direito objeto da ação. Isso significa que, ainda que a matrícula de determinado imóvel esteja livre de averbações, eventuais ações em curso contra seu proprietário podem continuar a representar um impedimento à livre alienação de bens, a depender do resultado de avaliações de outros bens destinados à garantia do juízo.

E por fim, ainda que grande parte dos cartórios de registros de imóveis brasileiros já seja ou esteja no caminho de tornar-se totalmente informatizada, nunca é demais destacar que há um lapso de tempo entre o requerimento de averbações à margem da matrícula e o trâmite para a efetiva realização do ato. Até porque, a validade de uma certidão negativa de ônus é de 30 dias. Assim, o proprietário de um imóvel de posse de certidão de matrícula, plenamente válida e livre de averbações, poderá alienar esse bem, mesmo que responda a uma ação judicial cuja anotação de existência na matrícula já tenha sido requerida por algum credor diligente, porém há menos de 30 dias. A eficácia completa do que pretende a Lei dependeria, portanto, que as certidões de matrículas imobiliárias tivessem uma validade de apenas 24h, o que inviabilizaria os demais trâmites burocráticos de lavratura de escrituras públicas de alienação ou oneração de imóveis.

Como decorrência de todos os aspectos analisados, é possível afirmar, sem medo de erro, que para a segurança jurídica na conclusão de negócios imobiliários continua a ser imprescindível a obtenção e análise, além da matrícula imobiliária, também das certidões de distribuidores em nome do vendedor, tanto na comarca em que esse reside como naquela em que se situa o imóvel. Na prática, o que fica evidente é que a Lei levará, muito mais do que à agilidade e à segurança dos negócios imobiliários, a um aumento de arrecadação pelos cartórios. Afinal, será natural a maior demanda de requerimentos de averbações ou registros nas matrículas imobiliárias por parte de credores que, diligentes ou bem orientados por seus advogados, busquem reduzir os riscos de frustração de seu crédito. Mas não haverá, como contrapartida, qualquer redução significativa do volume de certidões de feitos ajuizados emitidas pelos distribuidores, para a realização das diligências legais por parte de potenciais compradores que, zelosos, prezem a segurança jurídica na realização de seus negócios. E não é demais ousar apostar, inclusive, que os bancos não ficarão restritos – como pretende a Lei – ao exame da certidão atualizada da matrícula imobiliária, abstendo-se por completo da análise das demais certidões …

Vantagens e celeridade: para quem?

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